Um pouco de Shakespeare na nossa hotelaria

O hóspede chega ao hotel onde fez a reserva com facilidade, faz o check in rapidamente e um mensageiro educado o acompanha até o quarto levando suas malas. O apartamento é confortável, bem decorado, com frigobar completo, tv de tela plana, ar condicionado silencioso e internet banda larga. O simpático mensageiro informa os serviços do hotel: piscinas, spa, restaurantes, bares, lojas, academia, recreação e quadras esportivas. Durante sua estadia, o hóspede comprova que todos funcionam corretamente, com uma equipe bastante eficiente.

Existe algo de errado com este hotel? Certamente não. Podemos afirmar que este hotel tem um grande diferencial competitivo? Também não. O setor hoteleiro brasileiro está se desenvolvendo, e já são inúmeros os hotéis que oferecem o serviço descrito acima. Este é o ponto: quando muitas empresas de um setor oferecem o mesmo padrão de serviços, o setor acaba se “commoditizando”. Quando um hotel oferece o mesmo que a concorrência, perde o diferencial. A percepção gerada é que ofereceu uma boa estadia… Exatamente como muitos outros. O hóspede vai embora satisfeito, mas não encantado.

Existe uma grande diferença entre um cliente satisfeito e um impressionado, entre o hóspede que diz “ok” e o que diz “uau”.

Estamos vivendo uma era de concorrência acirrada, onde os serviços cada vez mais se parecem sob o ponto de vista funcional e qualitativo. A idéia de que preço e qualidade são os únicos quesitos considerados importantes na compra, parte da premissa de que o consumidor é um “homo economicus”, que toma suas decisões de maneira racional. E isso não é verdade – menos ainda na atividade turística, por si só cercada de um componente lúdico que vai além da racionalidade. As pessoas estão em busca de menos rotina, querendo mais celebrações e surpresas, se dispondo a pagar para experimentar novas sensações.

Estamos vivendo a era da experiência, e as empresas precisam se adaptar a isso. É o que propõe a Gestão da Experiência do Cliente, um conceito que tem como foco o profundo conhecimento do comportamento do consumidor, do lado racional e emocional, desenvolvendo com ele uma relação harmônica, onde a fidelidade e o lucro são consequências naturais.

É comum vermos as empresas investirem em reestruturação, downsizing, terceirização, rightsizing, benchmarking, empowerment, governança corporativa, etc… São conceitos importantes, mas não únicos. A relação com o cliente também deve ser objeto de atenção, pois ele é a fonte de receita. As empresas devem entender a estrutura emocional das pessoas para saber como estimulálas. Deve mapear todos os pontos de contato, entendendo que o serviço faz parte de um processo de interação. Ainda mais no turismo, pelo seu caráter multifacetado.

Uma forma para entendermos a Gestão da Experiência é olharmos a empresa como um teatro. Shakespeare dizia que “o mundo inteiro é um palco e as pessoas são atores que desempenham muitos papéis em sua existência”. Nesta analogia, a empresa é um palco, os funcionários desempenham papéis, os processos tornam-se scripts, o cliente é um convidado, e a estratégia vira um enredo. A Gestão da Experiência visa a criação de um enredo original para a marca, transformando a relação entre empresas e consumidores em um processo legítimo, gerando experiências pessoais, emocionais, físicas, intelectuais e espirituais e, por isso mesmo, inesquecíveis.

E como fica o profissional de hotelaria no meio disto? Fica muito bem, pois as portas que a era da experiência abre para esses profissionais são enormes. Não apenas pelo crescimento sólido e constante da indústria do turismo – taxa média de quase 5% ao ano desde 1975 – mas porque mais de metade das viagens feitas são para lazer, ou seja, as pessoas estão querendo mais aventura, mais diversão, mais sonhos realizados. E estes desejos não estão limitados às viagens. A busca por experiências inesquecíveis, pelo tratamento diferenciado, pela sensação de ser bem recebido é feita no dia-a-dia, nos hotéis e resorts, e também nos restaurantes, bares, shoppings, academias, supermercados, escolas, etc…

As empresas devem criar diferenciais que proporcionem aos clientes experiências que vão além do que é apenas correto e oferecido por muitos. Esta é a grande oportunidade para o profissional da hotelaria, porque receber bem, proporcionar conforto e transformar minutos ou estadias em momentos de prazer faz parte do dna da hospitalidade. Por isso, podemos afirmar que esta é a melhor hora para desenvolvermos enredos que estimulem ainda mais a nossa indústria de hospitalidade, gerando divisas, empregos e, conseqüentemente, desenvolvimento. Mais do que nunca é verdade o velho grito dos artistas: “It’s
showtime”.

*Marcelo Chiavone Pontes é doutorando em Marketing pela FEA/USP, Professor da ESPM, sócio-diretor da Brand Leader Comunicação e Marketing, e consultor
da área de hotelaria do Senac São Paulo.

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